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Prefácio

 

do livro Aprendizagem Significativa no Ensino Fundamental, um olhar sobre as práticas pedagógicas

de Francisca Francineide Cândido, publicado pela editora IMED, Porto Alegre - Brasil. ISBN 9788599924822.

 

1.

 

Inovação pedagógica implica uma mudança qualitativa na prática pedagógica, que passa pela redefinição dos papéis tradicionalmente desempenhados pelos docentes e pelos discentes. Essa redefinição exige a deslocação do docente, que está tradicionalmente no centro das operações de ensino, para a periferia, passando o aprendiz a ocupar o lugar de protagonista. Parafraseando Seymour Papert, num mundo em que o balanço entre o ensino e a aprendizagem esteve sempre fortemente desequilibrado em desfavor da aprendizagem, a inovação pedagógica passa obrigatoriamente por instrução ministrada em doses homeopáticas, seguida de muita atividade autónoma do aprendiz, de maneira a conseguir-se o máximo de aprendizagem com o mínimo de ensino. Ou seja, para haver inovação pedagógica, a preocupação com a matética, que é a palavra sugerida por Papert para designar a arte de aprender, terá de ser muito maior do que a obsessão pela arte de ensinar, que é a didática.

 

Quem se empenhar em processos de inovação pedagógica, cuja iniciativa e responsabilidade cabem, quase inteiramente, a quem exerce uma função docente, saiba que é importante ter bem presente que a prática pedagógica e a prática docente não são a mesma coisa. Prática pedagógica inclui a prática docente, mas tem um significado bem mais amplo: também inclui a(s) prática(s) do(s) discente(s), que nunca ninguém confunde com prática pedagógica. Aliás, a própria expressão “prática discente” não costuma fazer parte do léxico educacional vigente. No entanto, qualquer professor, que pretenda ser inovador, só o será se olhar muito menos para a hipotética perfeição dos seus atos de ensino, e muito mais para a riqueza dos contextos de aprendizagem, portanto, de prática, que instituir para os seus aprendizes.

 

Nesse novo diálogo entre a didática e a matética, o importante é apostar no empoderamento do aprendiz, no seu protagonismo e na sua atividade. Qualquer processo “inovador”, que não compreenda isto, será o que quiserem, mas nunca conduzirá à inovação pedagógica.

 

Não seria talvez necessário, mas não será demais insistir nesta ideia simples: também não será o facto de o professor utilizar tecnologias digitais (powerpoint, lousas digitais interativas, e outras) para ensinar melhor, que fará dele um professor inovador. Na melhor das hipóteses, fará dele um professor incluído digitalmente, com uma capacidade comunicacional aumentada. E, muitas vezes, nem por isso. A tecnologia e o seu uso, por muito poderosos que sejam, não têm poder para, por si sós, mudarem os ambientes onde se ensina e se aprende, correndo muitas vezes o risco de reforçarem os aspetos mais conservadores e retrógrados da organização tradicional do ensino. Quem já ouviu falar dos “professores powerpoint” compreende perfeitamente esta ideia.

 

2.

 

Esta pequeníssima síntese do meu pensamento sobre inovação pedagógica serve apenas para clarificar o conceito e para antecipar uma ideia seguinte, segundo a qual a inovação pedagógica não é uma receita que possa ser prescrita por uns e experimentada por outros. Ao invés, sendo um movimento de dentro, e nunca induzido de fora, a inovação pedagógica é sempre um movimento contra a mesmice, contra a ortodoxia, que passa obrigatoriamente pela reflexão, pela crítica e, obviamente, pela autocrítica. Também sob esse ponto de vista, não existem receitas para a inovação pedagógica. O que existe são caminhos possíveis, que podem e devem ser procurados e seguidos. Mas a busca tem de vir de quem pratica a pedagogia, a qual tem de ser algo vivo e nunca um objeto inanimado, pronto-a-vestir, de consumo.

 

Colocando a questão de outra maneira, eu talvez consiga dizer o que não é inovação pedagógica. Mas, afirmar como terá de ser, não sou capaz, uma vez que a pedagogia é um longo diálogo intersubjetivo, vivido e criado em conjunto por quem nele participa. Por essa razão, a inovação pedagógica não se resume à aplicação de um método já existente, nem à aplicação de um conjunto de técnicas. Um pedagogo não é um simples técnico, que opera segundo padrões pré-estabelecidos e certificados. Nem a educação é um edifício terminado, mas algo em permanente (re)construção.

 

Além disso, convém realçar que, mesmo sendo os resultados da aprendizagem, nomeadamente os resultados escolares, socialmente considerados como muito importantes, a inovação pedagógica não tem a ver diretamente com eles. Pelo contrário, a inovação pedagógica tem a ver muito mais com os processos, com a interação (social) e com a atividade, que desencadeiam a aprendizagem e costumam ser tidas por despiciendas ou irrelevantes pela lógica que institui os testes PISA como o grande escrutinador da “qualidade” dos sistemas educativos, a qual, paradoxalmente, se exprime em termos quantitativos.

 

E foi por não se conhecerem todos os caminhos que conduzem à inovação, nem todos os ambientes em que ela pode acontecer, que foi criada, em 2003, uma linha de pesquisa dedicada à inovação pedagógica na minha universidade. Com essa atitude, quisemos sempre ser muito mais aprendizes do que professores em matéria de inovação pedagógica. Esta linha de pesquisa, ao longo de todo este tempo, tem dado voz, através do labor de dezenas de pesquisadores, a muitas comunidades que criaram ambientes de aprendizagem incomuns, quer formais, quer informais, o que reforça a convicção de que nem a pedagogia é uma coisa estática, nem a escola tem, por inerência, o monopólio da pedagogia. E, assim, a inovação pedagógica não é o que eu decido que seja, porque falo do alto da minha torre de marfim, mas uma discussão aberta, que tem como propósito ajudar a reinventar a educação, estudando e divulgando os esforços inovadores dos que insistem em remar contra a corrente da estandardização, muitas vezes atuando nos lugares mais improváveis.

 

 

Este livro, intitulado Aprendizagem significativa no ensino fundamental: Um olhar sobre as práticas pedagógicas, de Francisca Francineide Cândido, que gostosamente prefacio, é o resultado de uma das referidas dezenas de estudos que têm sido conduzidos no âmbito da linha de pesquisa em inovação pedagógica. Em conjunto com os restantes, tem servido para manter vivo o debate, que nunca estará concluído, em torno da multiplicidade de aspetos de que a inovação pedagógica se pode revestir. Por outro lado, no seu âmbito mais restrito, o de refletir sobre uma realidade próxima da autora e com a qual ela está fortemente implicada, este livro cumpre, porventura, uma função ainda mais importante.

 

Carlos Nogueira Fino

Maio de 2015